terça-feira, 15 de junho de 2010

Lutas de classe intensificam-se na Grécia

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Os trabalhadores na Grécia posicionam-se hoje na frente avançada das lutas de classe europeias contra a tentativa do grande capital de fazer o povo trabalhador pagar os custos da sua crise.

por Dimitris Fasfalis [*]

Mobilizações contra a austeridade estão a difundir-se por toda a Europa. Na França houve greves e manifestações no dia 27 de maio e está previsto para 24 de junho um dia de ações. Em Portugal, 300 mil trabalhadores manifestaram-se nas ruas de Lisboa em 29 de Maio para exprimir a sua rejeição ao plano de austeridade do governo. Na Espanha, funcionários públicos foram às ruas em 2 de junho. Na Itália, foi realizada uma manifestação nacional em Roma dia 5 de junho, com greves e outras ações planeadas para 12 de junho. Na Grã-Bretanha, os sindicatos e organizações de esquerda estão convocando um dia de manifestações para 22 de Junho. No Romênia, funcionários públicos foram às ruas no dia 4 de junho.

A resistência contínua na Grécia mostra aos trabalhadores ativistas e militantes da esquerda anti-capitalista que as suas lutas podem abrir novos caminhos de avanço e determinar o resultado da atual crise econômica. A mais recentes greve geral de 24 horas na Grécia, efetuada em 20 de maio, registrou um êxito do movimento dos trabalhadores na ultrapassagem da campanha de propaganda da mídia hegemônica e das calúnias provenientes do governo PASOK (Movimento Socialista Pan-Helénico). Mais de 50 mil pessoas tomaram as ruas de Atenas e realizaram-se manifestações nos principais centros urbanos do país [1] . Os professores do ensino público tomaram parte maciçamente na manifestação de Atenas. A participação na greve foi muito alta no setor público, mas menor no privado. As principais federações sindicais também organizaram um dia de comícios a 5 de junho. Este combate está longe do fim.

A greve geral de 5 de Maio

A greve geral e as manifestações de 5 de maio foram um êxito esmagador. Lançada pela Confederação Geral dos Trabalhadores da Grécia (GSEE) e pelo sindicato dos empregados do estado (ADEDY), o apelo para cessar o trabalho durante 24 horas foi cumprido maciçamente tanto pelos trabalhadores do setor público como do privado. Foram efetuadas manifestações em todas as principais cidades por toda a Grécia, exceto Larissa. Elas realizaram-se em Tripoli e Patra no Peloponeso, em Ioannina e Igoumenitsa no Épiro, em Herakleion (Creta) e também em Salônica, a metrópole ao Norte da Grécia onde milhares de manifestantes tomaram as ruas.

As maiores manifestações ocorreram em Atenas. As ruas do centro de Atenas foram tomadas por uma inundação humana de 250 mil cidadãos. A sua composição refletiu a da classe trabalhadora da metrópole grega em toda a sua diversidade: trabalhadores do setor privado, tais como os dos estaleiros Skaramanga do Pireu, trabalhadores de empresas de serviços públicos e do estado, tais como os da companhia de eletricidade (DEI), os professores e os enfermeiros do sistema de saúde pública, desempregados e trabalhadores reformados, imigrantes e trabalhadores não documentados, estudantes da universidade e do secundário. Todas as palavras de ordem vindas das fileiras de manifestantes exprimiram a recusa do povo a pagar os custos da crise capitalista desencadeada pela finança global: "Não à tempestade anti-trabalhadores", "Não à flexibilidade, sim à semana de 35 horas", "Trabalhadores, levantem-se! Eles estão a tomar tudo o que obtivemos", "Nós pagamos os seus lucros, não pagaremos a sua crise" [2] .

Johanna, de 30 anos, manifestou-se para "dizer não ao FMI. Eles querem fazer-nos acreditar que vieram aqui para ´resgatar´ as finanças do estado, mas não acredito nisso minimamente. Quem aceitaria tal tratamento?"

Um profundo sentimento de injustiça está a guiar os protestos da multidão. Yanni, um professor de 30 anos, explicou ao repórter de l'Humanité:

"Toda a gente sente que não há justiça. O dinheiro está ali mas eles não querem ir buscá-lo... Não vejo outro caminho de saída: eles só nos apresentaram uma opção" [3] .

A causas dos movimento contra o FMI/União Europeia/plano de austeridade do governo do PASOK grego foram explicadas por Ilias Vretakou, vice-presidente do sindicato ADEDY:

"Estamos a enviar de Atenas uma mensagem de luta e resistência para os trabalhadores de todos os países europeus, contra a barbárie dos mercados de capital, do governo e da União Europeia. O governo, o FMI e a União Europeia decidiram levar os trabalhadores, a sociedade grega, para a mais selvagem barbárie social que alguma vez conhecemos. Eles estão a nivelar por baixo os trabalhadores e a sociedade. Estão a roubar os nossos salários, estão a roubar nossas pensões, estão a roubar nossos direitos sociais, estão a roubar nosso direito à vida. Eles estão a impor a lei da selva nas relações de trabalho,... reduzindo a taxa salarial para horas extras. Eles tornaram possível para os patrões despedirem um empregado mais velho e contratarem, com o mesmo dinheiro, três ou quatro jovens trabalhadores em condições precárias" [4]

Este discurso provocou aplauso entusiástico da multidão que havia acabado de apupar o líder do GSEE, Panagopoulos, criticado pelos sindicalistas de base pela relutância de fevereiro no combate às medidas de austeridade [5] . Dentre outros oradores, Claus Matecki (do sindicato alemão DGB) e Paul Fourier (da CGT francesa) também provocaram aplausos vivos, especialmente quando este último declarou: "Hoje, todos nós somos gregos! Obrigado e boa sorte" [6] .

Dentre as forças políticas da esquerda, a Coligação da Esquerda Radical (SYRIZA) e o Partido Comunista Grego (KKE) participaram maciçamente nos protestos. Os social-democratas (PASOK) não tiveram uma presença organizada, apesar das lutas internas da ala esquerda do partido contra o plano de austeridade implementado pelo governo PASOK.

Muitos dos manifestantes votaram PASOK em outubro de 2009. Eles agora estão desapontados e irados ao descobrir que a esquerda triunfante que expulsou do governo o corrupto governo de direita de Kostas Karamanlis (Nova Democracia) cedeu, sem qualquer combate, à política neoliberal do capital financeiro. Dimitra, uma reformada residente na região de Atenas, esperava que a vitória do PASOK "faria as coisas melhor". Desapontada, ela está furiosa quando pensa no primeiro-ministro George Papandreu, do PASOK: "Quando penso que votei no idiota!" [7]

A cobertura feita pela mídia das manifestações de 5 de maio centrou-se nos "kukuloforoi", os "mascarados", que atacaram fisicamente símbolos da cultura de mercado e do capitalismo financeiro. O banco Marfin e a rua Stadiu no centro de Atenas foram atacados por coquetéis molotov e queimados. Três empregados do banco perderam as suas vidas no incêndio. Os empregados do Marfin foram obrigados a trabalhar naquele dia apesar do apelo à greve e foram literalmente trancados no banco. Não havia plano para saída de emergência, tornando a sua evacuação ainda mais difícil.

A resposta do movimento dos trabalhadores foi imediata e clara como cristal. Na noite de 5 de maio, o presidente da ADEDY explicou que estas "práticas fascistas pretendem assustar o povo num momento em que a luta de massa é necessária para travar as medidas que lançam a vida dos gregos na adversidade" [8] . No dia seguinte, 6 de maio, uma multidão de luta reuniu-se na Praça Sintagma, em frente ao Bouli (parlamento grego), a fim de denunciar a adoção do plano de austeridade pelos representantes eleitos da Assembleia Nacional [9] .

Este desencadear da violência de rua não deixa de se relacionar com a exasperação para com o governo Papandreu. O plano de austeridade imposto ao povo grego pelos mercados financeiros – as principais instituições financeiras, o FMI e a União Europeia – é uma flagrante negação da soberania nacional e da democracia. Além disso, o governo aguenta-se no chão desde fevereiro e recusa-se a atender à mensagem das ruas. Ao invés disso, intensifica o autoritarismo do plano de austeridade: desde que foi aprovado pela Assembleia Nacional em 6 de maio (com os votos dos socialistas PASOK, da Nova Democracia e dos nacionalistas-racistas do LAOS), ele será aplicado através de uma série de ordens do Ministério das Finanças, não deixando qualquer espaço para a interferência parlamentar e limitando os representantes eleitos do povo a uma capacidade consultiva puramente formal.

A falta de legitimidade democrática do plano portanto abre a porta, em alguns componentes nas margens do movimento social, a conceitos de legitimidade da violência de rua (choques com a polícia, queima de vários símbolos da ordem capitalista, etc). O partido da ordem capitalista encabeçado pelo PASOK tem portanto como corolário a violência dos "kukuloforoi" nas mobilizações. Totalmente alheio aos "mascarados", o flagrante impulso autoritário das medidas de austeridade alimenta uma aguda tendência anti-parlamentar dentro de seções do movimento dos trabalhadores. Slogans tais como "Deixe-os queimar!" ou "Entreguem os ladrões ao povo!" foram gritadas várias vezes na manifestação. Dúzias de manifestantes também tentaram cortar as linhas de segurança do Parlamento, até serem violentamente repelidas pelas forças policiais [10] .

Olhar o antes e o após 5 de maio

As ações de 5 de maio registraram um êxito porque foram preparadas: a unidade da mobilização em massa não foi uma resposta espontânea, mas antes o resultado de três meses de mobilizações dos sindicatos de trabalhadores. Já em 24 de Fevereiro, o movimento sindical comprometeu-se a combater o anunciado plano de austeridade, negando portanto à classe dominante e seus porta-vozes um monopólio da informação e da política. É precisamente este criticismo, efetuado através de ações nas ruas e lugares de trabalho, os quais permitiram ao movimento social comunicar possíveis cenários diferentes daquele escrito pelo capital financeiro. Portanto, a noção reacionária e desmobilizadora de que este plano é um mal necessário foi abalada, abrindo o caminho para o contra-ataque popular.

Em 24 de fevereiro, a primeira greve geral respondeu às medidas de austeridade anunciadas pelo governo. Em Atenas, 45 mil pessoas estiveram nas ruas; em Salônica, havia 10 mil. Na manifestação de Atenas, Dimitri, um engenheiro civil de 28 anos, explicou as razões da mobilização: "Queremos um emprego, salários decentes e um verdadeiro sistema de segurança social. Nosso país tem de respeitar normas da União Europeia que são injustas" [11] . Uma segunda greve geral de 24 horas teve lugar a 11 de março, juntamente com manifestações nas principais cidades do país.

As greves gerais de 24 horas (24 de fevereiro, 11 de março, 5 de maio e 20 de maio) foram sem dúvida os exemplos mais visíveis das mobilizações populares contra a austeridade. Mas outras ações, de âmbito mais limitado, desempenharam um papel crucial para elevar a força e assegurar a continuidade do movimento de resistência. Fabrien Perrier, repórter do diário l'Humanité, do PCF, sublinhou a atmosfera de agitação social que tomava conta de Atenas no fim de abril. "Em Atenas, a cada dia, as ruas estão a refletir os gritos dos manifestantes e a ira de corpos profissionais" [12] .

Muitas destas mobilizações ajudaram a preparar a greve geral. Em 5 de março, por exemplo, foram efetuadas reuniões em massa em muitas cidades para preparar a greve geral de 11 de março. A reunião em Volos (uma cidade na costa da Tessália, Norte de Atenas) reuniu não só sindicalistas como também trabalhadores despedidos da METKA, antecedendo um concerto de solidariedade de muitos artistas. Da mesma maneira, o 1º de Maio estimulou as mobilizações de massa antes da greve geral de 5 de maio. O sindicato dos empregados do estado (ADEDY) apelou à greve de 4 de maio pela mesma razão. O seu apelo foi seguido e foram efetuadas manifestações naquele dia.

Estas mobilizações limitadas também permitiram ao movimento dos trabalhadores empenhar-se na batalha para ganhar a opinião pública. Muitas ações portanto responderam ao governo a cada volta da crise. Portanto, quando George Papandreu efetuou uma conferência de imprensa em 25 de abril para anunciar que desencadearia o mecanismo europeu de apoio financeiro, centenas de manifestantes responderam nas ruas do centro de Atenas a gritar: "A luta do povo destruirá a carnificina do FMI" [13] . Dois dias depois, a 27 de Abril, funcionários públicos estavam em greve e professores estavam acampando na Praça Sintagma, em frente ao Parlamento, para denunciar a hemorragia sofrida pelo sistema público de educação. Nesse meio tempo, o porto de Pireu foi bloqueado por uma greve de 24 horas dos trabalhadores marítimos que responderam ao apelo do seu sindicato, o PNO.

Passo a passo, o que parecia inevitável na cabeça da maioria tornou-se uma questão a ser resolvida pela correlação de forças. Um inquérito de opinião do jornal grego To Vima estimou a proporção daqueles contra a redução de salários em 79,5% da população [14] . Dentro do movimento social, os participantes estão a ganhar confiança e a ideia de que o resultado da luta ainda não está estabelecido ganha terreno. Despina, de 27 anos, não tomou parte nas manifestações de 4 de maio dos empregados públicos. Ela sublinhou contudo ao repórter do Humanité que "aqueles que estão no movimento estão certos: eles entenderam as causas deste movimento. Os funcionários públicos são as primeiras [vítimas diretas das medidas de austeridade], mas todos na Grécia vão sofrer. Os sindicatos estão unidos e o governo está começando a abalar" [15] .

Todas as pessoas progressistas saúdam a resistência dos trabalhadores gregos à ditadura do capital financeiro. As mobilizações dos últimos três meses têm sido dignas da herança política da luta contra a junta ditatorial (1967-1974) e da resistência anterior ao fascismo. Muitas questões cruciais ainda estão para ser resolvidas.

Antes de mais nada, a estratégia seguida pela liderança sindical está aberta ao questionamento. Face a um governo que se recusa a atender aos protestos do povo nas ruas e além disso obriga o parlamento a aplicar medidas ditadas pelos grandes negócios, não haverá um risco de que repetidas greves de 24 horas acabassem por ser a prova da impotência do movimento para alterar o curso dos acontecimentos? O movimento dos trabalhadores em França sofreu um retrocesso desmoralizante na primavera do ano passado após três rodadas de greves gerais de 24 horas. O desenlace dos acontecimentos ainda não está decidido na Grécia.

Mas o tempo poderia estar do lado dos trabalhadores, desde que os seus líderes tenham a coragem necessária. Até quando, por exemplo, poderia o governo PASOK e seus parceiros europeus suportar uma greve geral ilimitada dirigida por assembleias-gerais do movimento de massa?

Uma segunda questão relaciona-se com a estrutura organizativa do movimento social. Será ela capaz de unir-se numa voz ou plataforma única? Será capaz de estabelecer um órgão democrático e unificado que fale pelos seus diferentes componentes nas ruas e assegure controle autônomo das suas mobilizações?

Estas questões parecem cruciais uma vez que determinarão durante os próximos meses o êxito ou o fracasso da tentativa dos trabalhadores de dar nascimento a novas possibilidade e portanto repelir a fatalidade da barbárie neoliberal. As apostas são altas: o futuro imediato do estado social está a ser decidido hoje nas ruas de Atenas.

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