segunda-feira, 15 de março de 2010

44, 42 ou 40 horas semanais de trabalho?



Escrito por Waldemar Rossi
12-Mar-2010

No último mês de fevereiro entrou em pauta no Congresso Nacional o debate sobre a reivindicação das centrais sindicais de redução da jornada de trabalho de 44 para 40 horas semanais. Pressionado pela bancada patronal, o presidente da Câmara dos deputados, Michel Temer, fez sua jogada demagógica, que no dito popular pode ser traduzido como "nem tanto a Deus, nem tanto ao diabo": propôs 42 horas.

Afinal, se o Temer ficar com a pressão patronal não terá os votos dos trabalhadores e se ficar com os sindicalistas não terá o dinheiro sujo do patronato. Que encruzilhada! Tentar o meio de campo para ficar de bem com os dois lados. Mas nem tanto porque empresário não abre mão dos seus lucros exorbitantes. E a votação da proposta no Congresso foi jogada pras calendas.

Entretanto, o que mais chamou a atenção de quem acompanhou parte desse debate foram as alegações dos patrões. Argumentam que as despesas com um trabalhador contratado com carteira assinada no Brasil são das mais altas do mundo. Segundo o economista patronal José Partos, essa despesa chega a 102% do salário pago, mais alto que na França (72%) e nos Estados Unidos.

Tais argumentos chamam a atenção porque, mesmo sendo falsos, são capazes de iludir os menos informados. Falar que os encargos trabalhistas são os mais caros do mundo pode não ser mentira se consideramos percentuais de números frios e abstratos. Tudo muda de figura quando se comparam realidades concretas, sobretudo quando se comparam lucros.

Depois desse embate circularam pela imprensa, em comentários quase que escondidos, informes sobre os salários na Europa e Estados Unidos revelando que os trabalhadores dos países europeus ganham em média três vezes mais que um trabalhador especializado no Brasil. Não é diferente em relação aos EUA, onde a disparidade salarial pode chegar a cinco vezes, em média.

Façamos, então, a título de teste, algumas simples operações matemáticas.

Salário de trabalhador europeu de R$ 5.000,00. Sobre ele se aplica os 72% citados pelo José Partos. Teremos um acréscimo de R$ 3.600,00. Custo desse trabalhador: R$ 8.600,00.

No caso do Brasil – respeitando-se as diferenças aproximadamente constatadas –, salário de R$ 1.500,00 e encargos de 102% também citados, teremos um acréscimo de R$1.530,00. Custo do trabalhador brasileiro: R$ 3.030,00.

Como se vê, "nem tudo o que reluz é ouro" e meias verdades podem se tornar verdades absolutas enganando os incautos ou mesmo os que têm preguiça de pensar e se deixam levar pela publicidade enganosa.

A grande verdade está em que o patronato brasileiro é muito mais ganancioso e imediatista que os empresários dos países mais desenvolvidos. Como o Brasil é o "paraíso dos investidores", porque dá lucro fácil e imediato, nossos empresários querem enriquecer rapidamente e sem limites.

Analisemos outro caso concreto divulgado hoje (11/03/10) pela imprensa burguesa em letras garrafais: EIKE BATISTA É O 8º MAIS RICO DO MUNDO (Eike Batista é empresário brasileiro). Segundo o Estadão, Eike teve sua fortuna aumentada em "generosos" R$ 19,5 bilhões em apenas pouco mais de um ano. Fica a pergunta: de onde veio essa fortuna se não da exploração dos seus trabalhadores? A imprensa não revelou qual é o padrão de vida dos trabalhadores de suas empresas. Aumentou na mesma proporção?

O mesmo jornal revela ainda uma lista com os outros 17 empresários brasileiros mais ricos do mundo, cujas fortunas pessoais crescem a cada dia. Esse dinheiro todo cai do céu?

Assim, querer barrar as 40 horas semanais nada mais é que negar minimamente algum tempo de descanso aos que produzem suas riquezas, é querer manter abaixo da linha da pobreza a imensa maioria da população brasileira. É determinação de não ceder sequer alguns anéis aos que empregam seus dedos e seus corpos inteiros para produzir riquezas e mais riquezas.

Para agravar ainda mais essa já lamentável situação vimos a frouxa postura dos dirigentes das centrais sindicais e do deputado Michel Temer, que se submeteram à chantagem patronal, jogando para 2013 a possível abertura desse mesmo debate, fato que reforça a tese de um dos empresários de que essa discussão só foi aberta porque estamos em ano eleitoral. Alguém duvida?

Waldemar Rossi é metalúrgico aposentado.
www.carosamigos.com.br

Mídia falseia discussão sobre ‘Estatismo’ do governo Lula


Mídia falseia discussão sobre ‘Estatismo’ do governo Lula
Escrito por Valéria Nader, da Redação
06-Mar-2010

A discussão acerca das falhas e virtudes do Estado e do Mercado, tema caro aos ideólogos tanto da estatização quanto da privatização, tomou de assalto os jornais de grande circulação nas últimas semanas, a Folha de S. Paulo em especial - um dos jornais mais lidos em nosso país.

A despeito do tom maniqueísta no tratamento do tema - algo, aliás, nada incomum na imprensa em geral, como forma de trazer maior apelo aos assuntos abordados -, não se pode dizer que esta seria uma discussão em si sem validade. Afinal, poderia ter grande efetividade no esclarecimento à população relativamente a vários dos serviços essenciais ao seu cotidiano, os quais já foram eminentemente públicos e hoje se encontram sob o controle do setor privado.

Estado versus Mercado?

Já há alguns meses, estamos diante de um tom mais acentuado nos discursos do governo Lula, no sentido de enfatizar a necessidade de retomada do papel regulador, quando não a presença, do Estado em vários setores da economia. O PAC, o Plano de Aceleração do Crescimento do governo, seria, inclusive, um dos demonstrativos de que, na prática, já estaria havendo essa retomada. Nas últimas semanas, juntaram-se a este discurso algumas novas medidas e falas indicativas de que o governo parece estar com o propósito de encampar um projeto estatal de expansão da banda larga através da Telebrás, por meio da aquisição das linhas da Eletronet (antiga empresa estatal, atualmente em estado falimentar, detentora de uma rede de cabos de fibra ótica).

Não é muito difícil de imaginar a celeuma que vem sendo armada em torno dessa suposta retomada do papel do Estado na economia, em uma espécie de novo ‘round’ do ‘nacional-desenvolvimentismo’. Editorial da Folha de S. Paulo de 24 de fevereiro de 2010 já em sua chamada salientava que ‘Diretrizes para um eventual governo Dilma, além de estatizantes, ignoram deficiências de gestão no período Lula’.

O referido texto, após atribuir as causas do ‘sucesso’ brasileiro nos últimos anos à continuidade da política econômica sob Lula, nas áreas monetária, fiscal e cambial - conforme reza o credo neoliberal, e em uma clara alusão elogiosa à condução da economia na era do tucano FHC -, enumera várias advertências a medidas que poderiam retirar o Brasil da trilha do ‘crescimento’. Dentre estas medidas, ‘o exagero voluntarista a respeito do papel do Estado’, onde haveria ‘uma clara intenção de controle e intromissão que pode facilmente tornar-se nociva ao bom funcionamento da economia’, conforme advogara documento do último Congresso petista.

Estamos nós leitores diante de uma realidade em que aos privatistas da era FHC agora se contrapõem e atuam de modo sistemático os petistas e lulistas, imbuídos de uma nova visão sobre o desenvolvimento e o papel do Estado?

O ‘Estatismo’ do governo Lula

Somente com uma boa dose de ingenuidade seria possível embarcar nessa noção que vem sendo insistentemente martelada nas últimas semanas, não somente pela Folha, mas por boa parte dos veículos de grande porte. Se tivessem um propósito autêntico de esclarecer à população sobre as intrincadas relações entre os grandes e poderosos conglomerados econômicos privados e o Estado, e respectivas conseqüências em suas vidas, deveriam ir bem mais além, muitas vezes passando bem longe, da macetada dicotomia Estado versus Mercado – tão ao gosto de antigos ministros da ditadura, atualmente consagrados conselheiros do governo.

Os grandes órgãos de comunicação não têm em suas pautas a crítica às privatizações do governo FHC, levadas a cabo, em sua maioria, de modo escandaloso – o que não causa a menor surpresa, uma vez já notório o conhecimento da cumplicidade desses órgãos com o processo privatista. Bem além, no entanto, de não fazerem essa crítica, vêm tecendo as suas estridentes contrariedades a uma estatização ‘lulopetista’ que nem mesmo existe de fato. Mais ainda, fingem não saber da privatização às avessas que tem um curso emblemático no âmbito do próprio governo Lula. Salvo raras exceções em um país que exibe vergonhosas taxas de analfabetismo puro e funcional, cidadãos e leitores muito dificilmente podem se situar adequadamente diante de tal visão tão esquizofrênica, e nada gratuita, que lhes é impingida pelos nossos órgãos de mídia.

Onde estão as alusões mais sérias e substantivas aos exemplos de privatizações ‘disfarçadas’ no governo Lula? Esquemas de Concessões, bem como de Parcerias Público-Privadas, nas grandes áreas de infra-estruturas, como energia, transporte, comunicações, recebem vultosos financiamentos do BNDES, além de boa parte dos riscos permanecer sob responsabilidade do Estado. Não se está aqui diante de uma camuflagem a um esquema de privatização de fato? E o que dizer da avalanche de fusões e aquisições nos últimos meses, na esteira da crise financeira mundial iniciada em 2008, a exemplo da união das empresas Sadia e Perdigão, da fusão Oi/BrTelecom, todas com a injeção de recursos do BNDES? Há ainda a reforma da Previdência Pública, forçosamente tentada por FHC em seus oito anos à frente da nação, mas efetivada justamente na gestão do operário presidente. Grandes beneficiados dessa reforma serão indubitavelmente os Fundos de Pensão privados. E para encerrar uma citação que poderia se estender por muitos parágrafos, lembre-se do tão celebrado Prouni, que traz benefícios fiscais a universidades privadas que contemplem alunos que comprovem insuficiência de renda. Beneficiam-se instituições de ensino superior privado muitas vezes com ínfimos padrões de qualidade, enquanto as universidades públicas padecem ano a ano, ao verem minguar as verbas públicas a elas direcionadas.

O setor elétrico talvez seja aquele mais sintomático daquilo que aqui se chama de privatização disfarçada, ou privatização às avessas. Em um Especial do Correio da Cidadania de meados de 2005, em matéria de autoria desta mesma escriba, destacava-se que, já em 1999, o governo FHC freou o processo de privatização das estatais de energia elétrica no país. Esta foi, à época, uma decisão conjuntural, causada pela crise energética - naquele ano, o ONS, Operador Nacional de Sistema, recebia sinais de que o colapso no sistema estava prestes a ocorrer - e pela pressão de organizações sociais. Embora fosse parte do projeto político do governo petista a interrupção das privatizações, o que se via à época do citado Especial não era mais a venda das empresas estatais, que já tinham sido vendidas em sua maioria, mas sim a privatização da energia e do potencial hídrico do país. Grandes empresas, como a Vale do Rio Doce e a Alcoa, estavam construindo hidrelétricas, a partir de vitórias em licitações, para uso próprio. "Algumas empresas estão privatizando nossas usinas e nós, residências, pequenas indústrias e comércios e serviços públicos, não vemos a cor dessa energia, que está reservada para esses grandes consumidores", dizia à época o consultor no campo de Energia Roberto D’Araújo.

A se considerarem alertas de estudiosos do meio ambiente e do próprio setor elétrico, a mencionada ‘privatização da energia e do potencial hídrico’ pode atingir patamares ainda mais elevados em um futuro bem próximo. Grandes empreendimentos hidrelétricos como Belo Monte, no Rio Xingu, e Santo Antônio e Jirau, no Rio Madeira, além do grande impacto que devem causar ao meio ambiente, terão uma elevada participação de empreiteiras, como a Camargo Corrêa, serão agraciados com novos financiamentos do BNDES e estarão direcionados em grande medida ao fornecimento de energia às indústrias eletro-intensivas, como a indústria do aço, um produto pouco elaborado e precipuamente voltado às exportações.

Quase nada além do trivial

Não se pode obviamente desprezar o fato de que, em algumas de suas matérias, e especialmente nas análises de alguns dos colunistas, o jornal supracitado conseguiu ir um pouco além da visão um tanto trivial, para dizer o mínimo, da economia e da política. Muitas dessas matérias e análises têm trazido à tona alguns dados que demonstram uma relação mais complexa entre os grupos privados nacionais e internacionais e o governo.

O hipotético relacionamento do ex-ministro da Casa Civil de Lula, José Dirceu, com um dos controladores atuais da Eletronet, empresa citada no início deste texto, seria um dos indícios de uma espécie de ‘privatização do Estado’, a partir de ‘alianças entre empresas favorecidas pelo governo e grupos de interesse que se aninham no Estado’ – segundo destacado por Editorial da Folha de 26 de fevereiro. Editorial do dia 8 de março reforça, por sua vez, a tese da metamorfose dos Fundos de Pensão, e ainda do BNDES, em instrumentos do poder político a serviço do governo e da burocracia sindical, o que se entrelaçaria à ‘histórica’ e ‘forte’ presença do Estado no capitalismo brasileiro. Os novos propósitos do governo de montar uma ‘superelétrica’, a ser novamente comandada pela Camargo Corrêa, com recursos do BNDES e também dos sempre presentes Fundos de Pensão Previ (dos funcionários do Banco do Brasil), Petros (Petrobrás) e Funcef (Caixa), também não passaram despercebidos pelo diário dos Frias – conforme pode ser atestado pela opinião de Melchiades Filho, na página 2 da edição do dia 3 de março.

Trata-se, no entanto, no mais das vezes, de uma abordagem meramente factual. Sob o falso e cada vez mais mal disfarçado pretexto de passar uma imagem de isenção, não vai além de destacar alguns escândalos reais, sem contextualizá-los em uma análise mais profunda e substancial na interpretação da realidade. O mencionado editorial do dia 8 de março cita que ‘os descaminhos da década de 1980, que tanto custaram ao país, são em parte decorrentes do modelo intervencionista anterior’ - passando, portanto, ao largo do esclarecimento de que, bem além do intervencionismo em si, o que estava em jogo era o tipo de intervencionismo que se praticou no período ditatorial. Haja vista, ademais, as próprias acusações relativas ao possível envolvimento pessoal de José Dirceu com os projetos do governo de ressuscitar a Telebrás através da Eletronet. Ainda que tais denúncias mereçam divulgação e respectiva investigação, em praticamente nenhum momento o jornal buscou dar ensejo à avaliação da possibilidade de estar em curso uma ‘séria’ tentativa de retomar de alguma forma o controle do setor de telecomunicações, dando mais corpo e nova vida à Telebrás.

Afinal, melhor não mexer nesse vespeiro, pra não incomodar os graúdos que navegam tranquilamente nas ondas liberalizantes, e que estão muito bem sintonizados com o jornalismo pretensamente progressista da Folha.

O que há por trás de tudo isso?

Ainda que os interesses dos maiores grupos econômicos estejam sempre a influenciar o modo tendencioso na condução do jornalismo dos grandes veículos, está particularmente em jogo nesse momento a construção da candidatura tucana. O cenário eleitoral que se avizinha é, portanto, um forte catalisador das atuais manipulações e reducionismos em torno de um tema muito oportuno nesse debate, que remonta às eleições de 2006 (quando Lula elegeu as privatizações tucanas para se opor a Alckmin): a presença do Estado na economia.

Utilizam-se, para a construção da candidatura de ocasião, estratégias muito delimitadas. Não se faz a menor cerimônia na falsificação de qualquer discussão que poderia dar suporte a um entendimento mais profundo e efetivo sobre os reais acontecimentos políticos, econômicos e sociais.

Editoriais, comentaristas e matérias da Folha do dia 28 de fevereiro, logo após a divulgação da última pesquisa Datafolha sobre a corrida presidencial, são uma mostra evidente de que essas especulações não são frutos de qualquer tipo de imaginação descabida. As fortes mensagens subliminares em favor da candidatura tucana transparecem a partir de uma clara lamentação quanto à estratégia retardatária da agremiação de Serra e até mesmo a partir de sugestões quase desesperadas para que o tucano monte logo no bonde eleitoral. Nem se fossem os marqueteiros oficiais do candidato seriam tão óbvios. A Folha tem mesmo estado bem menos safa em sua intenção de não se comprometer e manter a imagem de progressismo, isenção e imparcialidade.

Não custa, finalmente, destacar que não está aqui em jogo qualquer tentativa de enaltecer o partido ou a candidata de Lula - acusação que poderia ser dirigida a este texto, sempre tendo em vista a visão maniqueísta mais confortável aos grandes veículos. As críticas dirigidas ao governo Lula, essencialmente no que se refere ao seu ‘falso estatismo’, não autorizam esta visão, pelo menos para aqueles que se situam mais à esquerda no espectro político.

Valéria Nader, economista, é editora do Correio da Cidadania
www.correiodacidadania.com.br

Desvendar o mito por trás da polêmica das cotas raciais



Escrito por Luciana Araujo
12-Mar-2010

O Supremo Tribunal Federal reacendeu a discussão sobre a justeza da reserva de vagas nas universidades brasileiras para estudantes negros, afro-descendentes ou indígenas - as chamadas cotas raciais – ao realizar, na primeira semana deste mês, audiência pública prévia ao julgamento da ação impetrada pelo DEM contra a Universidade de Brasília.

O evento serviu ao menos para pôr a nu as reais motivações e objetivos dos DEMOcratas (ex-Arena e ex-PFL). Especialmente esclarecedora foi a declaração do senador Demóstenes Torres, digna de um senhor de engenho. Para ele, as políticas de reparação não se justificam porque a "exportação" de pessoas para o mercado negreiro teria incentivado a economia africana – logo, a escravidão seria responsabilidade dos negros. O senador goiano foi além e acusou as mulheres escravizadas de serem coniventes e permissivas com os estupros sofridos.

A advogada dos DEMOcratas, Roberta Kauffmann, ex-pupila do presidente do STF, o ministro Gilmar Mendes – que foi seu orientador durante o mestrado sobre as políticas afirmativas na universidade brasileira - alegou ainda que não se pode estabelecer um processo de "racialização do país, com a segregação de direitos com base na cor da pele".

A postura dos dois senhores acima mencionados evidencia o grau de reacionarismo e o forte racismo ainda arraigado na sociedade brasileira. É o que explica porque, mais de um século após o 13 de maio de 1888, no Brasil ainda se contrata pessoas pelo critério da "boa aparência". Ou porque os negros recebem até 90% menos que os trabalhadores brancos para desenvolver a mesma função e são 73% dos 10% mais pobres do país. Ou, ainda, porque um jovem negro em nosso país tem quatro vezes mais chances de morrer assassinado que um menino branco. E porque nas universidades públicas brasileiras apenas 23% dos estudantes são negros (na USP, esse percentual cai para 2%).

Os dados jogam por terra o mito da "democracia racial". Basta voltar os olhos para as favelas e periferias de nosso país – carentes de quaisquer políticas de garantia de infra-estrutura e onde o único braço do Estado que chega é o da repressão - para perceber que a pobreza no Brasil tem cor.

Essa realidade é resultado dos 358 anos de regime escravocrata no país e pela forma como se deu a abolição até hoje inconclusa. No longínquo 13 de maio, milhares de homens, mulheres, jovens e crianças foram jogados à própria sorte como se o Estado não tivesse nenhuma responsabilidade pelo fato de eles terem sido seqüestrados de sua terra natal e mantidos confinados como animais durante quase meio século.

O descompromisso histórico do Estado brasileiro com os negros e as negras no país é também uma forma de perpetuação do preconceito e do racismo. Desde os tempos do regime escravista, direitos básicos são negados aos negros – assim como aos indígenas – em nosso país. É da responsabilidade desse Estado reparar a distinção incentivada e patrocinada pelas instituições que fundaram as bases sócio-econômicas e políticas de nosso país.

As ações afirmativas por si só não asseguram o fim da discriminação racial, mas são um elemento concreto de reconhecimento da responsabilidade do Estado pela realidade em que vivemos. O racismo continuará existindo enquanto vivermos sob a égide do capital – que a tudo mercantiliza e se utiliza da opressão, especialmente de gênero e etnia – para legitimar a propriedade e potencializar os lucros de uns poucos ao custo das vidas de milhares. É um subproduto e uma necessidade do capital.

Mas essa realidade não anula o fato de que é devida a nós negros a reparação pela chaga escravista de quase quatro séculos da história brasileira. Enquanto isso não ocorrer, o "não racismo" nacional continuará reservando aos negros a triste representação recentemente exibida na novela ‘Viver a Vida’, da Rede Globo. Na trama, uma mulher negra até galgou o posto de protagonista, mas o enredo a fez submeter-se a ajoelhar diante de outra mulher, branca, para receber uma bofetada e ainda pedir desculpas.

Não foi à toa também que o Estatuto da Igualdade Racial recentemente aprovado no Congresso Nacional foi mitigado, retirando-se do texto as reivindicações mais profundas dos movimentos sociais que lutam contra o racismo.

E também não é uma coincidência que foram os mesmos DEMOcratas que pediram a instauração da CPMI no Congresso Nacional para criminalizar o MST. Esses são exemplos da ação organizada da burguesia brasileira, de uma elite branca e racista que controla o país e impõe, pela via da força quando necessário, sua visão de mundo. E, a julgar pela composição da mais alta corte do país – que ao longo de seus 120 anos de existência sempre atendeu aos anseios da elite que a instituiu – o processo de reparação pelos efeitos da escravidão está ameaçado de um novo retrocesso.

É fundamental a ampliação deste debate para o conjunto da sociedade brasileira e a organização de uma grande campanha em defesa das cotas raciais, bem como para que sejam assegurados os investimentos necessários à ampliação de vagas nas instituições públicas de ensino superior, para efetivar o direito de ingresso de filhos da classe trabalhadora nas universidades brasileiras. As cotas não são uma benesse do Estado aos negros e indígenas, mas o início do pagamento de uma dívida que já dura 510 anos.

Luciana Araujo é jornalista.
www.correiodacidadania.com.br

terça-feira, 9 de março de 2010

Origens do Dia da Mulher




Quando começou a ser comemorado o Dia Internacional da Mulher?
Quando começou a luta das mulheres por sua libertação?
Qual é a influência do movimento socialista na luta das mulheres?
E o 8 de Março, como nasceu?
E, mais importante de tudo. Como continuar a luta pela
dignidade, igualdade e participação da mulher na sociedade?


Por Vito Giannotti

A história da luta das mulheres e da criação do Dia da Mulher é objeto de muitos livros e artigos. È uma história longa e que vem de longe. Do século passado. Para se ter uma ideia da extensão desta luta vamos voltar ao ano de 1910. Pois é, a decisão de criar o Dia da Mulher foi tomada há quase cem anos. Em agosto de 1910, mulheres reunidas na Conferência das Mulheres Socialistas, na Dinamarca, decidiram criar o Dia da Mulher.

Na ocasião, não ficou decidido qual seria este dia. O mês de março foi escolhido ao acaso. Em 1914, a França escolheu o dia 9 de março para fazer o seu ato e a Alemanha o dia 8. Antes já havia sido celebrada em várias datas, nos EUA; e em 1º de março, na Suécia.

E como se chegou ao 8 de março? No dia 23 de fevereiro de 1917 pelo calendário russo, que correspondia ao 8 de março no calendário ocidental, mulheres tecelãs da Rússia começaram uma greve que mudou completamente os rumos da política do país. Em 1921, a Conferência das Mulheres Comunistas, realizada em Moscou, adota o dia 8 de Março como data unificada do Dia Internacional das Operárias. A partir desta data, os socialistas espalham pelo mundo o 8 de março como data das comemorações da luta das mulheres.

A história desta greve ficou esquecida durante muito tempo. E uma nova versão do 8 de março começou a circular entre o movimento feminista e o movimento dos trabalhadores. Uma história triste que falava de uma greve, ocorrida no ano de 1857, em Nova Iorque, na qual 129 operárias têxteis haviam morrido queimadas após o patrão ter ateado fogo à fábrica.

Desde a década de 1970, porém, este fato já era questionado por mulheres que estudavam o tema. Teria mesmo ocorrido esta greve com mulheres queimadas? Não havia indícios sobre elas em nenhum jornal ou outro documento da época. Sequer relatos orais. Estas pesquisadoras foram à luta e fuçaram a origem da data.

Depois de muito trabalho, muita pesquisa, comprovaram que a origem do 8 de Março é bem outra. É uma história alegre. A história da greve bem sucedida das costureiras de São Petersburgo, na Rússia, em 1917, que obrigou o czar a mudar radicalmente o regime de opressão. A greve foi o estopim da Revolução Russa.

Vamos aos fatos?
No Brasil, um dos primeiros textos que contam o nascimento do 8 de Março, sem a historinha das 129 mulheres queimadas vivas, é o artigo 8 de Março: Conquistas e Controvérsias, baseado em farta bibliografia, de 1995, da estudiosa, Eva A. Blay.

Em 2001, a SOF publica um texto no qual conta a história da origem do Dia da Mulher: Dia Internacional da Mulher: em busca da memória perdida. Nele está escrito que o Dia da Mulher nasceu da decisão das mulheres socialistas, na Conferência de 1910, com a única orientação de ser num dia específico. Na Conferência não houve referência à greve Nova Iorque e às 129 mulheres queimadas. O texto aponta como origem do primeiro 8 de Março da história, a famosa greve das mulheres tecelãs de São Petersburgo, em 1917.

Ao final, indica, como referência bibliográfica, o texto-chave sobre o assunto. Um livro de uma pesquisadora canadense intitulado: O dia Internacional da Mulher – Os verdadeiros fatos e datas das misteriosas origens do 8 de março, até hoje confusas, maquiadas e esquecidas.

A autora, René Cote, após doze anos de pesquisa prova, através de mil documentos, que a história da origem do 8 de Março é mais bonita do que aquela que ouvimos até hoje.
Há vários outros estudos, em vários países, cada um acompanhado de uma vasta bibliografia, que vão no mesmo sentido das pesquisas da Côté. Um destes é um estudo de Liliane Kandel, de 1982, O Mito das Origens: sobre o Dia Internacional da Mulher.

Neste texto, a autora mostra como se construiu o mito das 129 queimadas. Como se chegou a inventar a tal greve que nunca aconteceu, naquela fábrica que nunca existiu, com as 129 mulheres queimadas que nunca existiram. Mostra que este mito nasceu, aos poucos, de uma preocupação legítima dos comunistas franceses, nos anos 1950, querendo ampliar o alcance do Dia da Mulher. Nasceu, sem ninguém perceber como, da necessidade de sair da limitação de “Dia das mulheres comunistas” e chegar a um dia geral da luta da mulher, seja ela socialista, libertária, comunista, cristã, ou simplesmente mulher em busca de sua identidade e libertação do peso de séculos de opressão.

A origem do mito da greve de 1857
A primeira menção a essa greve, sem nenhum dos detalhes que serão acrescentados posteriormente, aparece no jornal do Partido Comunista Francês, na véspera do 8 de Março de 1955. Mas onde se dá a fixação da tal greve de 1857 é numa publicação da Federação Internacional Democrática das Mulheres, de 1966, na então Alemanha Oriental.

O artigo fala rapidamente, em três linhas, de um incêndio que teria ocorrido em 8 de março de 1857 e matado 129 tecelãs. Continua dizendo que, em 1910, durante a 2ª Conferência da Mulher Socialista, a dirigente Clara Zetkin, em lembrança à data da greve das tecelãs americanas, teria proposto o 8 de Março como data do Dia da Mulher. É aqui, neste artigo que começou a confusão toda.

Esta versão teve origem da mistura com outros fatos ocorridos na cidade de Nova Iorque, mas em outra época. O primeiro foi uma longa greve real, de costureiras, que durou de 22 de novembro de 1909 a 15 de fevereiro de 1910.

O outro fato foi um incêndio ocorrido numa fábrica têxtil, em 29 de março de 1911 que causou a morte por falta de segurança de 146 pessoas, na maioria mulheres.

Essa fábrica pegando fogo, com dezenas de operárias se jogando em chamas, do oitavo e nono andar, nos dá a pista do nascimento do mito daquela greve de 1857, na qual teriam morrido 129 operárias num incêndio provocado propositadamente pelos patrões.
É assim, pela combinação de casualidades, sem plano diabólico pré-estabelecido, que nasce a maioria dos mitos. Assim nasceu o das 129 queimadas vivas.

A canadense Renée Côté pesquisou, durante doze anos, em todos os arquivos da Europa, EUA e Canadá e não encontrou nenhuma traça da greve de 1857. Nem nos jornais da grande imprensa da época, nem em qualquer outra fonte de memórias das lutas operárias.

Ela afirma e reafirma que essa greve nunca existiu. É um mito criado por causa da confusão com a greve de 1910; com o incêndio de 1911, nos EUA; e com a greve das costureiras de São Petersburgo, na Rússia, em 1917.

O mito estava fixado, firmado e consolidado. Agora era só repeti-lo.

O feminismo dos anos 1960 retoma o Dia da Mulher
Na década de 60, o mundo vivia uma grande convulsão político-ideológica. No Ocidente, os estudantes passaram dos livros de Marcuse a Alexandra Kollontai e Wilhem Reich com sua Revolução Sexual e A Função do Orgasmo. As mulheres americanas se manifestavam contra a Guerra do Vietnã e falavam em libertação das mulheres. Na América Latina, mulheres com a metralhadora nas costas lutavam contra as ditaduras que oprimiam todo o continente. No mundo inteiro nasce o movimento feminista, diversificado, confuso mas muito ativo.

Os estudantes erguiam barricadas em Paris, tomavam as ruas em Praga, Berkley e Rio de Janeiro e falavam de revolução e de amor: Revolução social e sexual. Falava-se em socialismo em libertação das últimas colônias da opressão dos paises colonialistas da Europa, e falava-se em libertação das mulheres.

As feministas nas suas manifestações falavam de “mística feminina”, atacavam as várias manifestações de machismo. As mulheres estavam cansadas de serem tratadas como “brinquedo do homem”, como “ objeto de cama e mesa”.

Nesse caldeirão cultural mundial, em Chicago, em 1968; e em Berkley, em 1969, se retoma, através de boletins e jornais feministas, a idéia do Dia Internacional da Mulher.

Para saber mais consulte www.piratininga.org.br (vários artigos)

segunda-feira, 8 de março de 2010

Cubano que abusou do jejum nunca foi prisioneiro politico

Por Susana 04/03/2010 às 08:30

...mas eles sabem mesmo que em Cuba ninguém desaparece nem é assassinado pela polícia.
Não existem ?escuros recantos? para interrogatórios "não-convencionais" para presos-desaparecidos, como os de Guantánamo ou os de Abu Ghraib?, acrescentou o Granma.


"Dissidente político" que fez greve de fome em
Cuba era criminoso reincidente

Nos últimos dias, algumas agências de mídia pautadas pelos interesses norte-americanos, que mantêm o anacrônico bloqueio a Cuba que já dura 50 anos, gastaram tinta e horas de programação para tentar condenar o governo de Havana pela morte na prisão, em 23 de fevereiro passado, de Orlando Zapata Tamayo, apresentado como um "dissidente político, morto depois de uma longa greve de fome".

Nada mais distante da verdade. Orlando Tamayo era um preso comum que iniciou a sua atividade criminosa em 1988. Julgado e condenado pelos delitos de "violação de domicílio" (1993), assalto a mão armada; por "lesões menos graves" (2000); "calote" (2000); "lesões com posse de arma branca" (em 2000 provocou feridas e fratura no crânio de Leonardo Simón, usando um facão; brigas de rua que causaram "desordem pública" (2002) entre outras ações delinquentes sem nenhuma ligação com a política. Saiu em liberdade condicional no mês de março de 2003 e dez dias depois já cometeu um novo delito e voltou para a cadeia.

"Tendo em conta os seus antecedentes e condição penal, desta vez foi condenado a três anos de prisão, mas, nos anos seguintes, a sentença inicial foi se ampliando de forma considerável, por causa de sua conduta agressiva na prisão", relata Enrique Ubieta González, em matéria no jornal cubano Granma.

VIOLENTO E DOENTIO

Incentivado por grupos mercenários que recebem recursos repassados pela máfia cubana de Miami, após contatos com alguns dos mais conhecidos ?gusanos? que se mantêm em Havana, como Oswaldo Payá e Marta Beatriz Roque, Tamayo declarou-se em greve de fome em 18 de dezembro.

O objetivo da medida, com exigências impossíveis (ter televisão, fogão, geladeira e telefone na cela), era ser vitrine para a grande mídia pró-americana passar a ideia de que em Cuba se desrespeitam os direitos humanos.

"Atuando no seu novo papel, Tamayo foi estimulado uma e outra vez por seus mentores políticos a iniciar greves de fome, as quais foram enfraquecendo definitivamente seu organismo. A medicina cubana o assistiu.

Nos diferentes hospitais onde foi tratado existem especialistas muito qualificados, aos que se acrescentaram outros de diferentes centros - os quais não pouparam recursos para o seu tratamento. Recebeu alimentação por via parenteral. A família foi informada de cada passo. Sua vida foi prolongada durante muitos dias mediante respiração artificial", assinalou Ubieta González.

"Aqui ninguém foi torturado. Aqui não houve nenhuma execução extrajudicial. Aqui pessoas foram torturadas sim, mas na base naval de Guantánamo, que não é nosso território", esclareceu o presidente Raúl Castro em entrevista no Porto de Mariel, que visitou com o presidente Lula, no dia 24 último.

"Os mercenários cubanos podem ser detidos e julgados segundo as leis vigentes -aliás, em nenhum país podem ser violadas as leis. Por exemplo, nos Estados Unidos, receber dinheiro e colaborar com a embaixada de um país considerado como inimigo pode acarretar severas sanções de privação da liberdade - mas eles sabem mesmo que em Cuba ninguém desaparece nem é assassinado pela polícia.

Não existem ?escuros recantos? para interrogatórios "não-convencionais" para presos-desaparecidos, como os de Guantánamo ou os de Abu Ghraib?, acrescentou o Granma.

Gabriel Coderch Díaz, coordenador geral do cubano Grupo Reflexão Cristã e Solidariedade Oscar A. Romero, assinalou: ?Como cristãos não podemos deixar de nos entristecer pela dor dos familiares e pedimos a Deus pela alma de Orlando Zapata.

Porém não reconhecemos na sua morte a um mártir nem a um profeta, como tentam passar os meios de comunicação estrangeiros. Ele foi é massa de manobra da política anti-cubana e sua morte esta sendo usada tendenciosamente a favor de interesses que não são os do povo cubano".

Mídia Independente
Fonte: http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2010/03/466457.shtml