segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Carta dos atingidos pelo BNDES

Fonte: Jornalistas Populares (contato@renajorp.net)


Somos indígenas, quilombolas, camponeses, ribeirinhos, pescadores,
trabalhadoras e trabalhadores do Brasil, Equador e Bolívia, reunidos
no I Encontro Sul-Americano de Populações Impactadas por Projetos
financiados pelo BNDES.

Somos, todas e todos, atingidos por estes projetos, sobre os quais
nunca fomos consultados e que são apresentados para nós como
empreendimentos que irão trazer progresso e desenvolvimento para o
Brasil e para América do Sul. São projetos financiados pelo BNDES,
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, voltados para o
monocultivo de cana de açúcar e eucalipto, para a produção
insustentável de carne, para a exploração de minério, para a
construção de fábricas de celulose, usinas de produção de agroenergia,
siderúrgicas, hidrelétricas e obras de infraestrutura, como portos,
ferrovias, rodovias, gasodutos e mineriodutos. Estes têm afetado
direta e profundamente nossas vidas, em especial das mulheres, nos
expulsam das nossas terras, destroem e contaminam nossas riquezas, que
são os rios, florestas, o ar e o mar, dos quais dependemos para viver,
afetam nossa saúde e ampliam de forma permanente a exploração sobre os
povos de nossos países.

Os investimentos crescentes do BNDES, que apenas em 2009 podem
ultrapassar os R$ 160 bilhões de reais, utilizando recursos do Fundo
de Amparo ao Trabalhador (FAT) e do Tesouro Nacional, estão servindo
para aumentar os lucros de um grupo reduzido de algumas dezenas de
grandes empresas de capital nacional e internacional. Enquanto isso, a
apropriação por parte dessas empresas dos nossos territórios, da água,
das florestas e da biodiversidade ameaça não só a segurança alimentar
das nossas comunidades, mas também a soberania alimentar, mineral e
energética dos nossos países. Dessa forma, os financiamentos promovem
uma integração da América do Sul que se baseia em uma forte
concentração do capital, no controle e na privatização de territórios
de uso comum e na exportação dos bens naturais do nosso continente.

Por diversas vezes, buscamos as autoridades para protestar contra o
financiamento do BNDES a estes projetos, mas nossos argumentos são
invariavelmente desconsiderados. Na verdade, o que constatamos é o
comprometimento da grande maioria do Executivo, Legislativo e
Judiciário com a defesa destes projetos, que promovem a constante
violação dos nossos direitos. Enfrentamos cada vez mais dificuldades
para a demarcação de nossas terras indígenas e quilombolas, a
realização da reforma agrária e a obtenção de empregos com garantia de
direitos, no campo e nas cidades. Denunciamos a verdadeira ofensiva de
ameaças, perseguição e criminalização que estamos sofrendo, que já
custou a vida de inúmeros companheiros e companheiras na luta pela
defesa do nosso território, dos nossos rios, mares e matas.

Nossa troca de experiência explicita que há um bloco, formado por
grandes empresas multinacionais, o Estado e os grandes meios de
comunicação, que cria, promove e se beneficia dos projetos que o BNDES
financia. O principal argumento do BNDES para justificar estes
financiamentos – a geração de empregos – é falso. Os projetos
financiados destroem milhares de formas de trabalho nas comunidades
impactadas e os empregos criados pelos financiamentos, além de
insuficientes, aumentam a superexploração do trabalho, o que inclui
muitas vezes a prática do trabalho escravo. As grandes obras de
infraestrutura e a reestruturação dos processos produtivos, que
automatizam e terceirizam a produção, afetam ainda mais os
trabalhadores e as trabalhadoras. O resultado é um grande contingente
de desempregados e lesionados, com direitos cada vez mais reduzidos.

Nossa luta é pela vida e contra a morte que os projetos do BNDES têm
promovido através dos seus financiamentos. Lutamos por uma inversão da
lógica de acumulação capitalista e do lucro, causadora da crise
ambiental, climática, econômica e social que vivemos, de modo a
garantir o respeito à dignidade e à diversidade dos modos de vida das
populações sul-americanas.

Perante essa situação, nos comprometemos a:

Prosseguir em nossa luta em defesa da nossa terra, ar e água, certos
de que esta será a principal ferramenta para resistirmos aos projetos
financiados pelo BNDES.
Socializar com nossas comunidades e movimentos e com todo o povo dos
nossos países todas as informações e denúncias relatadas neste
encontro e incentivar o trabalho de formação nas nossas regiões no
Brasil e na América do Sul sobre o papel do BNDES e dos governos que
promovem o atual modelo, chamado de desenvolvimento, mas a serviço da
acumulação de lucros de grandes empresas multinacionais.
Articular e fortalecer cada vez mais nossas lutas contra os projetos
de barragens, monoculturas, celulose, agrocombustíveis, agropecuária,
mineração, infraestrutura e siderurgia, buscando fortalecer nossa
resistência.
Exigir do BNDES critérios socioambientais transparentes que não se
restrinjam à legislação ambiental e ao ‘ambientalismo de mercado’,
incorporando critérios de equidade que respeitem a diversidade dos
modos de vida e de produção já existentes nos territórios. Além disso,
exigimos o respeito aos direitos humanos e a aplicação com rigor de
todos os tratados e convenções ratificados por nossos países.
Denunciar as graves conseqüências destes projetos sobre os povos
indígenas nos nossos países, apoiar e incentivar as suas lutas contra
os projetos que destroem seus territórios, bem como exigir a imediata
demarcação e desintrusão das terras indígenas.
Fiscalizar as irregularidades das empresas financiadas pelo BNDES.
Exigir do BNDES transparência e acesso irrestrito ao conjunto das
informações dos financiamentos.
Responsabilizar o BNDES e os governos pelos prejuízos causados pelos
projetos que o Banco financia e exigir a suspensão do financiamento a
empresas que violam direitos, degradam o meio ambiente e as condições
de trabalho.
Fortalecer nossa luta por um projeto popular que possa gerar
perspectivas para todos, e principalmente para a juventude, para que
não abandonem nossos territórios ameaçados pelos projetos financiados
pelo BNDES.
Lutar, em nossos países, por uma forte integração dos povos, pela
economia solidária, pelo respeito aos nossos direitos, pela garantia
da nossa soberania, pelo bem-estar das comunidades e pela integridade
dos nossos territórios.
Exigimos que o BNDES seja um instrumento para fortalecer este novo
projeto de sociedade.

Rio de Janeiro, 25 de novembro de 2009

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