PORTAL VERMELHO
Terminou no último domingo (21) em Joanesburgo, capital da África do Sul, o 1º Encontro do Forum da Esquerda Africana (ALNEF, na sigla em inglês). O encontro foi precedido de uma Conferência Africana sobre Democracia Participativa. Estiveram presentes nos dois encontros 52 organizações provenientes de 28 países*.
Por Ana Maria Prestes Rabelo
A abertura do encontro foi realizada pelo Secretario Geral do Partido Comunista Sul Africano (PCSA) e também Ministro da Educação Superior, Blade Nzimande e a Ministra de Relações Internacionais e Cooperação da África do Sul, Maite Nkoana-Mashabane, que fez uma saudação especial às mulheres sul-africanas, porque este mês é dedicado à mulher, em memória à luta contra a restrição imposta à mobilidade dos negros, homens e mulheres, no interior de seu próprio país, há 60 anos.
O encontro começou com a constatação de que a África encontra-se em uma encruzilhada entre os aprendizados dos últimos 50 anos de independências e as possibilidades futuras. Segundo a ministra, "muitos dos estados africanos ainda são dirigidos por burguesias comprometidas com o neo-colonialismo, portanto os desafios ainda são gigantes, pois o legado deixado pelo colonizador é perpetuado na dependência dos africanos perante os colonizadores para se comunicar, viajar, resolver conflitos".
"O século 20 para a África foi marcado pelos processos de descolonização que foi acompanhado pelo aprofundamento da dependência econômica do continente. Contraditoriamente, o pós-colonialismo não conseguiu construir a unidade das nações africanas e o conceito de democracia participativa na África”. Segundo Blade, “significa o desenvolvimento dos movimentos de libertação, a superação da contradição entre Estado e massas, que podem ser parceiros, ao mesmo tempo em que se constroem movimentos fortes e estados progressistas", disse Blade.
Segundo Blade e Maite, a realização da Copa do Mundo 2010 na África do Sul ajudou a reverter parte destes problemas e também no processo de superação do “afro-pessimismo”, além de possibilitar que parte do investimento em infra-estrutura fosse direcionado para as comunidades mais necessitadas.
A perspectiva de construção do estado africano e sua economia deve caminhar lado a lado com a construção democrática e dos direitos humanos, apontou o encontro, pois o desenvolvimento social não poderia estar separado do crescimento econômico e institucional.
Deste modo, os africanos desacreditam a política da "good governance" como único guia, com o risco de caírem no burocratismo e na busca da austeridade vazia de significado. Segundo Maite, enquanto os especialistas estão sentados em suas salas tentando encontrar o conceito apropriado de pobreza, lá fora a dinâmica social corre intocada. E uma das respostas aos problemas africanos é ir à raiz dos movimentos tradicionais. “A sociedade civil deve ser parceira do Estado na transformação das nossas sociedades, desde que esta sociedade civil esteja calcada nos movimentos e associações legitimas de nossas comunidades”, acrescentou a Ministra. Deste modo, deve-se apostar no desenvolvimento das forças produtivas, da institucionalidade do Estado e das instituições que aprofundem a democracia local.
A esta introdução se seguiu um rico debate do qual se extraiu a declaração reproduzida abaixo. As discussões sobre a esquerda africana estiveram em destaque, como também os problemas a serem enfrentados na sua consolidação, seu conteúdo programático e os seus maiores desafios.
*África do Sul, Sudão, Ruanda, Etiopia, Lesotho, Zambia, Marrocos, Tunísia, Congo, Quênya, Gana, Namibia, Nigeria, Suazilandia, Tchade, Tanzania, Uganda, Zimbabue, Botswana, Senegal, Benin, Saara Ocidental, Belgica, Suecia, Espanha, Alemanha, Brasil.
Declaração da Conferência sobre Democracia Participativa na África e do Fórum da Esquerda Africana
Nós, delegados da Conferência sobre Democracia Participativa na África e do Fórum da Esquerda Africana, representando 52 organizações, provenientes de 28 países, incluindo três organizações de juventude e 28 partidos políticos, reunidos entre os dias 19 e 21 de agosto de 2010 em Joanesburgo declaramos o que segue:
1. A LUTA CONTINUA!
No momento em que celebramos os 50 anos de descolonização do nosso continente, notamos a ampla diversidade de experiências, de avanços populares e democráticos, de ganhos parciais, de estagnação e até mesmo, em muitos casos, de grandes retrocessos e a pesada opressão sobre forças progressistas. Em todos os cantos do nosso continente a luta pelas aspirações legitimas de democracia e avanços sociais e econômicos de nosso povo continuam.
Séculos de luta anti-colonial, décadas de mobilizações por libertação nacional, e 50 anos de ofensiva neocolonial, nos ensinaram uma importante lição - o avanço, o aprofundamento e a defesa dos objetivos interconectados da libertação nacional, unidade nacional, democracia vigorosa e avanços sociais e econômicos dependem de uma luta constante, mobilização popular, organização e vigilância.
A liberdade e a unidade de nossos povos e de todo o continente nunca cairão do céu, mas serão sempre conquistados através da luta dos trabalhadores e das forças populares.
Neste contexto rejeitamos as tentativas de alguns setores da União Africana (UA) de impor um apressado e único governo africano, um formado por alguns chefes de estado, muitos deles com mandatos sem legitimidade democrática dentro de seus próprios países. A unidade da África, a unidade de nossos povos será construída da luta, de baixo para cima, na base da mobilização contra as forças reacionárias e seus agentes locais.
Ao contrario do mito liberal de estabelecimento uma nova ordem mundial, com os estados do norte nos oferecendo sua ajuda, por todos os lados as forças imperialistas, seus agentes neo-coloniais e suas corporações transnacionais, estão ativas em construir uma efetiva recolonização do nosso continente. Esta agenda estratégica persistente assume várias formas - a expansão das intervenções militares, notadamente a persistência das bases militares francesas e a expansão do Africom, trabalhando com regimes militares locais; o suporte contínuo e seletivo de regimes autocráticos; a instigação de divisões étnicas e regionais; a anuência hipócrita frente a processos eleitorais fraudulentos; e a deliberada ação que mina a capacidade de estados africanos e seus setores públicos de disciplinar o capital e avançar no desenvolvimento.
Nosso continente é rico em população e recursos naturais, e mesmo assim o nosso povo vive em estado de pobreza.
2. DESENVOLVIMENTO AFRICANO E CRISE CAPITALISTA GLOBAL
A Conferência e o Fórum tomam como ponto de partida a realidade que impacta a vida da grande maioria da população de nossos países, ao invés do prometido econômico, o capitalismo nos legou uma crise insistente de pobreza, desemprego, destruição de recursos naturais, fome e a amarga luta pela sobrevivência. Não pode haver estabilidade, paz, democracia real e pleno desenvolvimento humano sob a dominação do capitalismo - um sistema que parte do predicado da exploração e da opressão da grande maioria dos povos do mundo.
Rejeitamos a visão simplista de que a atual crise econômica global é mero produto da falta de administração do sistema financeiro global pelos banqueiros gananciosos.
A atual instabilidade da economia global é uma característica inerente do capitalismo e a África pode uma vez mais pagar um alto preço pelos males causados pelo sistema capitalista global.
Empenharemos-nos no trabalho para promover o pleno desenvolvimento social e econômico da África baseado nas necessidades do povo africano e não nos lucros privados e proteger o trabalho e os recursos naturais africanos de uma nova rodada de exploração capitalista global; ao mesmo tempo em que o sistema capitalista global luta para reconquistar suas taxas de lucro em queda. Vemos esta batalha como parte da luta por democracia e direitos humanos na África.
3. Sobre as mudanças climáticas e destruição de recursos naturais
Temos notado o crescimento de um consenso cientifico internacional de que a atual trajetória de crescimento da economia global está rapidamente destruindo as condições biofísicas de existência de uma civilização humana. Acrescentamos a isto que enquanto são os padrões econômicos e de consumo dos países desenvolvidos do norte que podem ser apontados como os principais promotores desta crise que se aprofunda, serão os povos do sul que sofrerão os maiores impactos da crise. No coração da crise ecológica estão as premissas do capitalismo global de expansão contínua da reprodução dos lucros privados.
Nossa luta pelo socialismo é uma luta para fazer com que as necessidades sociais e não os lucros privados sejam a prioridade estratégica. Deste modo, a luta pelo socialismo deve ser simultaneamente uma luta pela sustentabilidade ecológica.
Apoiaremos todos os esforços no sentido de buscar um desenvolvimento baseado nas fontes de energia renováveis dentro de uma ordem econômica e social justa e democrática.
Na busca por novas fontes de energia e de proteção do meio ambiente seremos sempre guardiões contra as manobras do imperialismo sobre os países em desenvolvimento na África e a usurpação de sua mão de obra e recursos naturais.
4. SOLIDARIEDADE DA ESQUERDA GLOBAL
Em todo o mundo, não somente no sul global, forças progressistas e populares estão uma vez mais percebendo que suas lutas diversas estão intrinsecamente ligadas às lutas contra o capitalismo. Nós, forças progressistas do continente africano, lutaremos de perto e continuaremos aprendendo com as ricas experiências dos movimentos sociais, de mulheres, jovens, indígenas, trabalhadores e partidos políticos, nas lutas anticapitalistas.
Como Fórum da Esquerda Africana, trabalharemos para forjar laços mais ativos com outras forças progressistas, não somente em nosso continente, mas também na America Latina, Ásia e outras partes do mundo.
Estamos encorajados pelos importantes avanços da esquerda na América Latina e cremos que os diversos projetos de esquerda neste continente, incluindo Brasil, Bolívia, Venezuela e Equador trazem importantes paralelos e lições para nossas lutas no continente africano. Reafirmamos nosso profundo agradecimento ao apoio internacionalista que Cuba tem consistentemente provido ao nosso povo, e seguiremos expandindo nossas ações de solidariedade na defesa do socialismo cubano.
O CAMINHO A SEGUIR
Como prosseguimento desta luta, resolvemos intensificar nossas interações. De agora em diante nos encontraremos anualmente. Para preparar nossos encontros anuais e assegurar sua continuidade e prosseguimento, estabelecemos um secretariado da ALNEF. Entre outras coisas iremos consolidar a ALNEF e sua página web para atuar como um depositário das discussões e debates em curso. Alem dos encontros anuais, também realizaremos encontros focados em lutas setoriais. Para tanto resolvemos realizar em fevereiro do próximo ano uma Conferência Internacional sobre Mulheres na África.
Coletivamente, como rede e individualmente como organizações separadas seguiremos levando para nossas bases as ideias, perspectivas e campanhas que estabelecemos ao longo dos últimos dias.
AMANDLA NGAWETHU! (Poder para o povo!)
YA UMAAL ALALAM WA CHOUB EITHEDU! (Trabalhadores e Povos do Mundo
Uni-vos!)
MAPABMBANO! BADO YANAENDELEA! (A luta continua!)
Joanesburgo, 21 de agosto, 2010
quarta-feira, 25 de agosto de 2010
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