Por José Carlos Ruy
Os barões da mídia tiveram que se confrontar, durante os debates da 1ª
Confecom, com um Brasil ausente do noticiário impresso e eletrônico. É o
Brasil real, inquieto, insubordinado e em profunda transformação, e do qual
eles, os monopolistas da comunicação, não gostam.
E recusam debater. Antes mesmo da realização da Confecom (que reuniu em
Brasília 1684 delegados, de todos as unidades da federação, entre 14 e 17 de
dezembro) seis das oito entidades representativas dos grandes jornais,
revistas e redes de televisão, anunciaram sua recusa em debater uma
formatação democrática para o exercício do direito constitucional da
comunicação, que os barões da mídia reduzem a um mero negócio privado que
deve, em sua opinião, ficar ao abrigo da lei e de qualquer regulamentação.
Terminada a conferência, feito júpiteres olímpicos, lançaram seus raios
condenatórios contra a reunião e contra os que participaram dela e aprovaram
teses contarias aos interesses dos monopolistas. O jornal O Globo puxou uma
ladainha patronal unânime ao caracterizar as medidas aprovadas "restritivas
à liberdade de imprensa, de expressão e da livre iniciativa". O editorial do
Jornal Nacional do dia 16 tentou — como era previsto — desqualificar a
conferência. Alegou que sua representatividade estava "comprometida" pois
"seis das mais importantes entidades empresariais" deixaram de participar
dela por considerarem “as propostas de estabelecer um controle social da
mídia uma forma de censurar os órgãos de imprensa, cerceando a liberdade de
expressão, o direito à informação e a livre iniciativa, todos previstos na
Constituição”.
A Associação Nacional dos Jornais (ANJ) e a Associação Brasileira de
Emissoras de Rádio e Televisão (Abert, cujo principal membro é a Rede Globo)
chamaram de “preocupante” e um “retrocesso” o resultado da conferência. A
revista Veja, um notório baluarte dos interesses mais conservadores em nossa
sociedade, comparou em seu site o modelo "da imprensa com que sonham os
representantes formais da esquerda no Brasil" ao diário cubano Granma, e
disse que a cara desse modelo "é de arrepiar". Para Veja, o resultado "do
encontro foi um funesto documento que revela quão vigorosamente os impulsos
totalitários correm na veia da maioria de seus signatários". O título do
editorial da edição seguinte à Confecom (a Carta do Leitor da edição de
23/12/2009) assegurava: "Eles querem banir a liberdade de imprensa", com
propostas "estapafúrdias" para "amordaçar a imprensa"; no final, pediu o
enterro "do entulho autoritário, socializante e retrogrado produzido na
Confecom". O Estado de S. Paulo, quase sempre sóbrio em seus editoriais,
perdeu as estribeiras e disse que a medida mais sensata do governo seria,
andar "para a lata do lixo" todas as propostas aprovadas pela Confecom.
O motivo de toda esta aversão fica nítido quando se examina a lista das
principais teses aprovadas na semana passada em Brasília. Elas incluem desde
a criação do Conselho Nacional de Comunicação (que o baronato midiático
tenta desqualificar chamando-o de Conselho Federal de Jornalismo para
lembrar a proposta que foi debatida em 2004 e teve repulsa geral), uma nova
Lei de Imprensa, o código de ética para o jornalismo (com a garantia
explícita do direito de resposta do acusado por matéria jornalística, a
definição de abuso do direito de liberdade de imprensa e as penalidades no
caso de transgressões devidamente comprovadas), a cláusula de consciência
(inaceitável para os patrões, costumeiros em impor aos jornalistas pautas
que afrontam sua consciência, sua ética e suas convicções), a cota de 10% da
programação educativas, culturais, informativas e artísticas no rádio e na
tevê e de 50% de programação nacional nos pacotes de tevê por assinatura, a
redução de 30% para 10% a presença de capital estrangeiro nas empresas
brasileiras de comunicação, além de medidas que favorecem a rádio e tevê
comunitárias (as propostas aprovadas foram listadas no artigo “Veja quais
foram as bandeiras históricas aprovadas na Confecom”, de Cristina Charão, do
Observatório do Direito à Comunicação, republicada no Vermelho).
Um dos saldos da Confecom foi explicitar a alienação profunda dos
monopolistas brasileiros da mídia em relação ao Brasil e a seu povo, cuja
imagem real não é aquela que seus meios de comunicação noticiam. Os
delegados presentes à Confecom (não só da sociedade civil, mas também muitos
empresários pequenos e médios) reiteraram a exigência de democratização
profunda deste chamado "quarto poder" constituído pela mídia. Ele é um dos
únicos "poderes", ou uma das únicas "instituições", que não viveram as
mudanças democráticas do quarto de século desde o final da ditadura militar
de 1964, e que vivem ainda num mundo onde impera a lógica coronelística
anterior mesmo à revolução liberal de 1930. O Brasil está mudando e precisa
de uma comunicação atualizada com suas novas exigências de aprofundamento da
democracia, salvaguarda dos interesses populares e nacionais, e defesa da
nação. O que se assistiu em Brasília, durante 14 a 17 de dezembro, foi a
manifestação de que a mídia dominante não serve para isso, e precisa ser
mudada. Desse ponto de vista, a 1ª Confecom foi vitoriosa, principalmente
pela aprovação de medidas capazes de subordinar o caráter empresarial da
mídia à sua função constitucional de informar livre, ampla e
multilateralmente.
Veja quais foram as bandeiras históricas aprovadas na Confecom
Dificuldades metodológicas superadas, os grupos de trabalho constituídos
para debater as propostas inscritas na 1ª Conferência Nacional de
Comunicação (Confecom) aprovaram uma série de resoluções que respondem a
bandeiras históricas das organizações e movimentos sociais ligados à luta
pelo direito à comunicação e a democratização da mídia.
Por Cristina Charão, no Observatório do Direito à Comunicação
Estas propostas se tornaram resolução ao receber mais de 80% de aprovação
dos delegados em um dos GT’s. Algumas aprovações chegam a surpreender, por
serem pautas tradicionalmente rechaçadas pelo empresariado e mesmo por
órgãos governamentais.
Por exemplo, foi aprovada a criação de um Conselho Nacional de Comunicação
com funções de monitoramento e também de deliberação acerca das políticas
públicas do setor. Também passou por consenso nos grupos uma proposta de
divisão do espectro radioelétrico entre os sistemas público, privado e
estatal numa proporção de 40-40-20.
Outra proposta aprovada nos GTs foi a positivação do direito à comunicação
na Constituição Federal.
Veja algumas das propostas aprovadas:
- Divisão do espectro radioelétrico obedecendo a proporção de 40% para o
sistema público, 40% para o sistema privado e 20% para o sistema estatal.
- Reconhecimento do direito humano à comunicação como direito fundamental na
Constituição Federal.
- Criação do Conselho Nacional de Comunicação, bem como dos conselhos
estaduais, distrital e municipais, que funcionem com instâncias de
formulação, deliberação e monitoramento de políticas de comunicações no
país. Conselhos serão formados com garantia de ampla participação de todos
os setores.
- Instalação de ouvidorias e serviços de atendimento ao cidadão por todos os
concessionários.
- Incentivo à criação e manutenção de observatórios de mídia dentro das
universidades públicas.
- Criação de fundo público para financiamento da produção independente,
educacional e cultural.
- Definição de produção independente: é aquela produzida por micro e
pequenas empresas, ONGs e outras entidades sem fins lucrativos.
- Garantia de neutralidade das redes.
- Estabelecimento de um marco civil da internet.
- Fundo de apoio às rádios comunitárias.
- Criminalização do “jabá”.
- Isenção das rádios comunitárias de pagamento de direitos autorais.
- Produção financiada com dinheiro público não poderá cobrar direitos
autorais para exibição em escolas, fóruns e veículos da sociedade civil
não-empresarial.
- Criação de um operador de rede digital para as emissoras públicas gerido
pela EBC.
- Estabelecer mecanismos de gestão da EBC que contem com uma participação
maior da sociedade.
- Limite para a participação das empresas no mercado publicitário: uma
empresa só poderá ter até 50% das verbas de publicidade privada e pública.
- Proibição da publicidade dirigida a menores de 12 anos.
- Desburocratização dos processos de autorização para rádios comunitárias.
- Que a Empresa Brasileira de Correios ofereça tarifas diferenciadas para
pequenas empresas de comunicação.
- Criar mecanismos menos onerosos para verificação de circulação e audiência
de veículos de comunicação.
- Garantir emissoras públicas que estão na TV por assinatura em canais
abertos.
- Criar mecanismos para a interatividade plena na TV digital.
- Fim dos pacotes fechados na TV por assinatura.
- Manutenção de cota de telas para filmes nacionais.
- Adoção de critérios de mídia técnica para a divisão da publicidade
governamental nas três esferas.
- Promover campanha nos canais de rádio e TV, em horários nobres, divulgando
documentos sobre direitos humanos.
- Inclusão digital como política pública de Estado, que garanta acesso
universal.
- Buscar a volta da exigência do diploma para exercício de jornalismo.
- Garantir ações afirmativas nas empresas de comunicação.
- Criação de Observatório de Mídia da Igualdade Racial.
- Na renovação das concessões, considerar as questões raciais.
- Centro de pesquisa multidisciplinar sobre as questões da infância na
mídia.
- Criação do Instituto de Estudos e Pesquisa de Comunicação Pública com
ênfase no incentivo à pesquisa.
- Aperfeiçoar as regras da classificação indicativa.
terça-feira, 22 de dezembro de 2009
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